sábado, maio 01, 2010

Mistério no Jardim França

"Abandone toda a esperança aquele que aqui entrar." Dizem que é o que está escrito nos portões de entrada do inferno, pois podia estar escrito nas paredes daquela casa e mesmo assim eu não teria visto até ser tarde demais.

Era mais um dia comum, por comum entenda um dia onde eu coçava o saco, zapeando a tevê enquanto entornava uns goles de vodka direto da garrafa, isso até perto do meio dia quando o telefone tocou, a voz de uma senhora dizia ter visto meu anúncio no jornal e queria marcar uma reunião, porém não podia vir até o meu escritório e pediu que fosse até a casa dela, uma casa enorme numa rua tão deserta de gente quanto era cheia de casas enormes como aquela, na Zona Norte da cidade.

Desculpem, esqueci de me apresentar, me chamo Peter Stone, detetive particular, na verdade Pedro Rocha só que o nome em inglês impõe um pouco de charme ao negócio, como podem imaginar durante a infância fiquei fascinado pelas aventuras de Sherlock Holmes, Hercule Poirot, Baretta e outros detetives mais, quando adulto depois de muito tempo no serviço público, resolvi apostar tudo na minha paixão, solucionar crimes, me inscrevi em um curso a distância do Instituto Universal Brasileiro, comprei traquitanas para espionagem, escutas, máquinas fotográficas com zoom, com infra-vermelho, óculos de visão noturna, tudo para ser um detetive completo, só me esqueci que no Brasil detetive particular é uma profissão pouco comum, depois de 6 meses sem um caso sequer, só o que me apareceu foi um sujeito que queria saber se a mulher o estava traindo, como as contas venciam, meu cheque especial estava no limite, peguei o caso, descobri que a dita cuja realmente o traía pra surpresa dele com a prima dele, pra meu azar que era advogada das boas e deixou o chifrudo liso durante a separação antes que me pagasse, ou melhor dizendo ele me pagou com o único bem inteiro que ficou: um liquidificador, que ainda está aqui no escritório pronto pra fazer uma vitamina ou uma batida.

Então, vivendo essa vida de seguir maridos e mulheres infiéis, de vez em quando uma empregada larápia, um contador desonesto, um cachorro perdido e até uma cacatua sequestrada por uma granja de fundo de quintal (como eu disse as contas, sempre elas), já vão 13 anos de profissão aqui no meu escritório, que fica numa salinha alugada no 8º andar de um prédio antigo no centro da cidade, daqueles onde os elevadores ainda tem portas de grade corrediça e passam mais tempo parados que funcionando.

Foi entre a zapeada que dava entre o telejornal local e o programa de esportes apresentado por uma loira, bonita, peituda, que o telefone me convocando para a reunião tocou, passei uma água no rosto, peguei meu bloco de anotações, embarquei no meu Uno 94(primeiro e único) e me dirigi para um dos bairros com as casas mais chiques da cidade.

Chegando lá, estacionei o Gemada Mecânica na praça em frente, não você não entendeu errado por causa da cor "amarelo te vejo no escuro" a garotada da rua onde moro apelidou o meu fiel Uno assim, toquei o interfone e disse que tinha marcado uma entrevista com a dona da cara a Sra. Mabel Marzi Pandeca, o portão automático foi destravado e entrei no terreno, era uma casa enorme, a frente dela ocupava praticamente meio quarteirão, só do portão até a porta da casa devia ter 100 metros ou mais, pois quando estava na metade do caminho, já com duas pizzas de suor se formando embaixo dos meus braços escutei um barulho, olhando por cima do ombro dei de cara com dois enormes dobermans a poucos metros de mim a me olhar, babar e rosnar, talvez achassem que eu era o aperitivo da tarde, mas não me fiz de rogado e desabalei em enlouquecida carreira em direção a porta da casa, enquanto aquelas máquinas de triturar carne latiam e corriam contra mim, lembro que entre promessas de dieta, preces a Virgem Maria consegui gritar:

- Caralho, vou morrer, socorro, cachorros, porta, mãeeee.

Quando já sentia o bafo quente dos cães bem perto da minha bunda e meu peito a arder como se estivesse assando um leitão dentro de mim, escutai:

- Biquinho, Anjinho zupeniti*!

Na minha frente uma moça de no máximo 28 anos, magra, bonita, cabelos vermelhos, expressão fechada, olhava em direção a mim e aos cachorros que estancaram imediatamente ao som da voz dela.

- Biq....arf...uinho? Anjinho?...arf..... Zu...zu...arf..peniti? - Foi tudo que consegui pronunciar enquanto puxava enormes golfadas de ar e continuava a caminha até a porta sob os olhares ameaçadores das feras.

- Perdão, o senhor dever ser o Sr Peter Stone não, mil vezes perdão, não sei como eles escaparam do canil, Biquinho e Anjinho são nossos cães de guarda, melhores que qualquer alarme.

- E...arf quem é Zu...zu...zupenito?

- Como? Hahahaha, não, não é zupynyty, parem em ucraniano.

- Ucraniano? Os dobermans falam ucraniano?

- Foram treinados dessa forma por uma exigência de minha avó, a Sra. Mabel, pra não esquecer de sua terra.

- Sra. Mabel, sua avó?

- Me desculpe nem me apresentei, me chamo Lilian, sou a neta do meio, minha vó pediu que o recebesse, mas por favor entre, vou pedir que providenciem algo para o senhor beber, está lívido e ofegante pelo susto, de novo, mil perdões.

- Sim, obrigado, vodka bem gelada se tiver, ou água com muitas pedras de gelo, por favor.

Após dois copos enormes de água com gelo suficientes pra pra esfriar o sol, a Srta Lilian me conduziu pela casa até uma sala enorme onde em uma poltrona antiga e enorme se sentava uma mulher perto dos seus 80, porém ainda se notavam alguns fios levemente avermelhados na vasta cabeleira branca que caia sobre os ombros, podia-se notar pelo brilho dos olhos que ainda era uma pessoa lúcida e pela firmeza de gestos alguém inflexível, até mesmo autoritária se necessário.

- Prazer Madame, sou...

- Sente-se Sr. Peter, já sei o seu nome e o que faz, senão não teria lhe chamado. Como o senhor pode perceber não gosto de enrolações, vou direto ao assunto, nada de rodeios e amenidades.

- Muito bem senhora, estou a sua disposição.

- Ótimo, bem então vamos ao que interessa, quero contratá-lo detetive, mas desde já aviso que a idéia não foi minha, foi de minha neta que aí está, por mim resolveria o caso de outra forma, nunca gastando dinheiro com uma futilidade dessas, detetive, veja só e brasileiro, hunf.

Antes que eu pudesse argumentar que se ela não queria um detetive, ainda mais brasileiro que pegasse seu dinheiro e enfiasse lá onde o sol não bate, a neta interveio:

- Vovó, a senhora prometeu, nada de se exaltar.

- Está bem, está bem, bem sr. Stone, não é? Sr. Stone o caso é o seguinte moro nesta casa há muitos anos, meu marido e eu, que Deus o tenha, a construímos com muito trabalho e suor, moro sozinha já fazem 10 anos, só que de uns dias para cá as coisas nesta casa enlouqueceram, os objetos desaparecem, mudam de lugar, luzes se acendem no meio do dia, portas trancadas se destrancam sozinha, barulhos nos horários mais improváveis são ouvidos, pois bem eu quero que o senhor descubra o que está acontecendo aqui e faça com que pare.

- Minha senhora, me parece meio óbvio que isso deve ser coisa de um funcionário gatuno, nada além disso...

- Nada disso, só tenho 3 funcionários aqui, trabalham praticamente desde o primeiro dia dessa casa, nunca seriam capazes de algo do tipo.

- Bem, a senhora tem alguma suspeita? Algo que eu possa examinar, um começo?

- Tenho sim, porque eu vi essa noite um deles mexendo em armário da cozinha.

- A senhora viu, então talvez consiga identifica-lo.

- Claro que consigo.

- Vó...

- Mas isso é muito bom Dna. Mabel, quem era?

-Um fantasma!

-Como?

- Um fantasma, uma aparição, um morto, uma alma penada.

-Vó!

-Eu sei o que vi e o senhor, Sr. Stone, vai descobrir o que eles querem aqui.

- Minha senhora... - Antes que eu terminasse de argumentar que aquilo era loucura, uma sandice da mente dela, a velha gritou: - " Olhe lá, lá vai um deles" - Quando olhei pra trás só consegui ver uma porta que eu vi ser trancada sendo aberta e uma lufada de vento gelado entrar por ela, de um pulo corri até o local, nem uma alma viva por perto e um arrepio percorreu minhas pernas e meus braços ao ver gravado no chão de ardósia um enorme aviso:

- SAIAM!



Continua...(em algum dia)

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