sexta-feira, maio 04, 2012

Metafísica, religião e uma viagem de Metrô - Republicação

Gabriel era um rapaz comum, como todos esses que estão por aí, tanto poderia ser eu, você, seu vizinho, ou qualquer pessoa com quem você cruza na rua, no metrô, no ônibus ou num toldo de bar sob uma chuva miserável. Sua vida não tinha nada demais, aliás até que era uma boa vida, ele trabalhava, estudava quando tinha dinheiro, quando não, trancava o curso, tinha seus amores e desilusões, seu sonhos, ganhos e perdas, levava um dia de cada vez, mas nunca reclamava de nada, pelo menos não verbalmente, vivia com suas dúvidas pra si, se recusava a pedir qualquer coisa, os problemas eram dele, competia a ele resolver, nada porém o tinha preparado para o que lhe esperava no final daquele dia.

Como todos os dias Gabriel acordara, pensara em ficar dormindo, mas como estava de bom humor e por costume foi trabalhar, teve um dia normal no trabalho, muito serviço, boas risadas, se aprontava para por seus planos finalmente em prática, resolver pendências na faculdade, conquistar mais um pouco o seu amor, só esperava o fim do expediente, foi quando o telefone tocou era uma amiga contando que a faculdade fechara, nenhuma negociação nova seria feita mais, cursos trancados não poderia ser retomados, tudo parado até segunda ordem, isso não era um balde, era uma caixa d'água inteira e fria sobre sua cabeça, perdera o rumo do que fazer, no caminho pra casa em frente a rodoviária sentiu gana de comprar uma passagem e sumir por aí, afinal sempre que planejava algo aquilo não saia, quando agia por impulso até que as coisas rolavam, mas quando era planejado, que todos os buracos eram tapados, que sua confiança ficava no alto, algo demolia o seu castelo de cartas.

Como não tinha mais jeito no fim do dia ele pegou o metrô e retornou pra casa e foi nessa viagem que ele encontrou duas figuras muito estranhas, uma era uma moça morena, olhos castanhos claros, pele alva, que transmitia uma calma incrível, a outra era uma ruiva, olhos verdes, exalando luxúria e paixão, as duas sentaram ao lado de Gabriel e a ruiva puxou assunto:

- Rapaz, te derrubaram do caminhão de mudança de novo é?
- Como? - Gabriel não entendeu nada.
- Oh Gabriel, deixa de ser tapado, tô falando que acabaram com o seu barato e com seus planos, porra.
- Como você sabe isso? Como você sabe meu nome? - o rapaz se assustara.
- Caralho, mas tú tá devagar hoje, pensa bem, olha pra gente, lembra o que você tava pensando e vai saber quem somos.

Foi aí que Gabriel se lembrou que estava xingando sua sorte e amaldiçoando tudo que era santo e anjo que conhecia. Será que ele tinha feito alguma besteira, teria se matado, já se perdia em pensamentos quando a ruiva interviu:

- Para de pensar besteira, tú não tá morto não, é que a gente não tinha nada pra fazer e veio bater um papinho.
- Bater um papinho?
- É, um papinho. Me diz uma coisa nem tudo está como você quer, não é?
- É.
- Você sempre leva um olé e continua em frente, mesmo quando não tem mais porque continuar, porque você faz isso, sempre que algo dá errado, ou você precisa de orientação você acaba perguntando pra si e pra Deus o que fazer, bem e agora o que Ele te responde?
- Não sei, Ele não responde com palavras.
- Mas se Ele não responde, como é que você sabe que é o certo? Se você não escuta as respostas como é que sabe que tem alguém escutando as perguntas? Você não acha que está sendo meio trouxa não?
- É olhando por esse lado, você está certa.
- Então me responde porque você continua levantando todo dia de manhã, se não sabe o que te espera, se ninguém te garante que tudo não passa da imaginação de outra pessoa, se nada lhe diz que a vida é pra ser vivida assim? Porque não mandar tudo pro espaço, dormir pra sempre, ou comer pra sempre, ou fazer sexo pra sempre?

Gabriel empacou, naquele momento não sabia o que responder, olhou para o outro lado e a morena continuava lá quieta, apenas olhando para ele com aqueles olhos sem fim.

- Você não fala nada? Não tem uma palavra pra defender Ele, pra me ajudar?

A moça sem dizer uma palavra, levantou-se, colocou a mão sobre o peito dele, deu-lhe um beijo suave na bochecha e olhou fundo nos olhos dele. Foi quando algo despertou nele e ele descobriu a resposta:

- Eu levanto todo todo dia, não porque eu acredito Nele, ou porque Ele acredita em mim, mas sim porque eu acredito em mim mesmo e isso é o suficiente pra saber que posso conseguir tudo que eu tenha realmente vontade de conseguir, mesmo que os obstáculos sejam enormes e mesmo que o resultado não seja o esperado eu saberei que fiz mais do que o meu possível.

As duas moças se entreolharam, olharam para ele, sorriram e desceram na estação seguinte. Gabriel pela primeira vez em tempos não sabia o que fazer, ou o que tinha sido aquilo, mas sabia que viesse o que viesse ele poderia encarar sem medo e com muita vontade.

Estação Tucuruvi, solicitamos a todos desembarcar nesta estação!

(Texto originalmente publicado no Além do óbvio e ululante que pulula mentes humanas). 

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