sexta-feira, agosto 24, 2007

Doce Tempo

- "Mais um por favor." Nem tinha dado 11 da manhã e Ronaldo já devorara dois x-maionese, partia para o terceiro e secava uma garrafa de dois litros de fanta uva, o chapeiro da padaria olhava espantado, não só pelo fato daquele rapaz de 17 anos comer com a voracidade de alguém que nunca tinha visto comida, mas mais pelo fato de acompanhando o ritmo do esfomiado ter uma garota loira, magrinha e que também já ia pro seu terceiro sanduíche.

Ronaldo conhecera Ana Flávia a pouco tempo, ele tinha acabado de ser transferido de escola, enfrentava uma longa viagem de ônibus até o colégio novo e além disso não conhecera ninguém lá, no primeiro dia de aula, durante uma aula de Química recebera uma livrada, isso mesmo, do nada a pessoa que se sentava atrás dele tinha lhe batido com algo parecido com um livro na cabeça, quando o rapaz virou furioso, pronto pra xingar Deus e o mundo, as palavras ficaram presas na garganta, seus olhos não conseguiam se desviar daquela imensidão esverdeada e do sorriso maroto complementado pela voz doce que dizia:

- Oi, eu sou a Ana Flávia, tudo bom?

- Er..., hã, oi, oi, eu sou Ronaldo. - Respondeu o abobado, enquanto passava a mão onde tinha levado o golpe.

- Desculpa pela cadernada, mas você tava tão concentrado e eu não sabia o seu nome, que só consegui pensar nisso pra te chamar. - E dizendo issso ela sorriu mais ainda e se dependesse desse sorriso poderia ter aberto a cachola dele com uma barra de ferro que ele não ia se importar, talvez até pedisse outra.

- Ah, tudo bem, não foi nada, agora já nos conhecemos. - O coitado só faltava babar, tinha se apaixonado a primeira vista, ou melhor, a primeira cadernada. Para os olhos de Ronaldo naquela sala só existia Ana Flávia, esqueceu da aula e passou o resto do tempo virado pra trás conversando com a garota. A princípio se tornaram grandes amigos, andavam abraçados pelos corredores e pelo pátio do colégio, iam para o ponto de ônibus andando ora abraçados, ora de mãos dadas, quase 3 meses de aula, bagunça, lições copiadas, provas coladas de Geografia, telefonemas para pegar a matéria porque Ronaldo nunca anotava nada, e mesmo assim ele não tinha tido chance de saber se seria mais do que apenas um amigo.

Foi quando em uma das saídas mais cedo depois das provas, os dois andavam com seu grupo de amigos, porém Ronaldo e Ana se abraçavam como sempre, que ele brincou:

- Ana, o dia que você arranjar um namorado e ele nos vir saindo assim do colégio ou eu vou correr até em casa ou vou apanhar feito um louco. - E para a surpresa de todos e dele ela respondeu:

- Hahahaha, só se você quiser bater em você mesmo. - Ronaldo não aguentou de felicidade, não conseguia acreditar no que tinha ouvido, abraçou Ana mais forte ainda e se pôs a girar pela calçada com ela em seus braços, os dois riam e quem via a cena ria mais ainda, quando pararam de girar ele beijou aqueles lábios desenhados, afundou seu rosto nos cachos loiros de Ana, pedindo que se fosse um sonho não acordasse, Ana por sua vez, abraçava-o com toda a sua força e quando pararam para restabelecer o fôlego, ela disse baixinho que se ele estava sonhando devia ser um sonho muito bom porque ele parou de andar e de ouvir o que ela falava.

Foi quando Ronaldo percebeu que realmente estava sonhando, Ana Flávia só tinha rido de sua frase, tudo dali pra frente tinha sido fruto da sua imaginação, agora lá estava ele vermelho feito um pimentão tendo que encarar aquela garota com rostinho de anjo sapeca a olhá-lo.

- Ei Ro, acorda, tá nas nuvens é?

- Ahn, ah, é, tava viajando sim, vamos embora?

- Vamos, aliás vamos de novo porque eu fui e você ficou aqui viajando.

- Ops, é mesmo, desculpa. - Ronaldo respondeu sem graça.

Chegando em casa, ele teve uma notícia que abalara seu mundo de novo, estavam de mudança, iria trocar de escola de novo e também de cidade, o garoto não podia acreditar, tudo num dia só, realmente devia ter ficado sonhando no meio da rua e agora o que faria, tinha pouco tempo, resolveu que se declararia para sua amiga, no mínimo elaz dá risada, eu me mudo e esquecemos isso. Foi pensando nisso que, no dia seguinte depois das provas, o que fazia com que os alunos saíssem mais cedo do colégio, Ronaldo convidara Ana para um suco, mazs de tão nervoso ele não conseguia parar de comer e parecendo que adivinhava o que passava Ana também comia no mesmo ritmo.

Já contara que aquele era seu último dia na cidade, terminaram seus lanches e ele acompanhou-a até o ponto de ônibus, chegou a hora ele pensou, pegou as mãos dela entre as suas, olhou nos olhos, mas por timidez ou por tristeza, não conseguiu falar, apenas chorou, Ana abraçando-o também chorava, ficaram ali chorando abraçados por um longo tempo, depois cada um tomou seu caminho.

10 anos depois

Ronaldo, andava pela Av. Paulista despreocupadamente em plena tarde de uma quarta-feira, resolveu dar o cano no trabalho, nunca fizera isso, mas andava triste e sem cabeça para aguentar a ladainha do dia-a-dia, enquanto tomava um sorvete e acompanhava o movimento esbarrou em uma moça que também andava distraída.

- Desculpa.

- Des... Rô, é você?

- Er... Ana? Ana Flávia?

- É, isso mesmo. Puxa você não mudou nada, a mesma cara.

- Você também continua linda como sempre.

-Obrigada. - Ronaldo e Ana sentaram em um barzinho e colocaram o papo em dia, ela agora era médica, estava naquele momento de encontro saindo do consultório, encerrara cedo o expediente, conversaram muito tempo, relembraram os bons momentos, até que ela disse:

- Sabe que eu me apaixonei por você naquela época.

- Eu também, mas tinha medo de não ser correspondido e perder sua amizade, ia falar naquele último encontro, mas não consegui.

- Devíamos ter falado algo naquele dia, perdemos muito tempo, perdemos contato.

- É verdade, mas será que estaríamos aqui hoje?

- Não sei, talvez,acho que nunca saberemos. - Dizendo isso, Ana Flávia se levantou e partiu, não sem antes dar um beijo em Ronaldo aquele beijo esperado de 10 anos atrás, deixando o rapaz com um sorriso maroto e o coração levitando.

*************************************************************************************

- Que lindo Vovô.

- Então minha querida, foi assim que eu e sua Vó nos conhecemos, nos separamos, reencontramos e estamos juntos até hoje.

- Ainda bem, senão eu não estaria aqui, né. - Letícia disse isso e riu. Olhando para sua neta rindo, Ronaldo via o rosto de Ana Flávia ainda moça e disse baixinho, em tom de suspiro: - Eu é que agradeço essa sorte todos os dias. - Sua esposa falecera 25 anos após aquele reencontro, mas tinham sido os melhores anos da vida dele.


(Texto originalmente publicado no Além do óbvio e ululante que pulula mentes humanas)

Um comentário:

  1. mais um história linda. boa de ver em filmes, de ler em livros, mas que eu nao acho que acontece de verdade.

    ResponderExcluir