domingo, janeiro 20, 2013

Flor de Lótus

Era só mais uma noite comum de verão, sem lua, apenas poucas estrelas apareciam, ele chegou em casa, pegou a garrafa de saquê, encheu um copo, sentou no banco do jardim, tomou um gole e olhou para o céu. Respirou fundo, tomou mais um gole, começou a garoar fraco, uma chuva que refrescava o calor sufocante da noite até que ele olhou para a orquídea que estava a sua frente, as gotas deslizavam pela flor fazendo um desenho que ele já tinha visto, mas não em um orquídea, muito menos em um jardim, ele tinha visto aquele desenho das gotas serem feitos em uma flor de lótus que era ela própria um desenho nas costas de uma garota.

A cada segundo a orquídea se tornava mais, a seus olhos, a lótus desenhada nas costas daquela garota linda que ele tinha conhecido a pouco tempo, lembrava dos olhos castanhos brilhantes, do sorriso jovial e da voz doce, estava definitivamente encantado por ela, tinham se encontrado sem querer tentando se proteger de um temporal que assolou a cidade embaixo de uma pequena marquise, os dois mal cabiam ali, era impossível seus corpos não se tocarem, não sentir o perfume dela, não sabia se era natural do corpo dela ou o que ela usava, afinal do jeito que estavam molhado impossível dizer se qualquer perfume industrial resistiria, mas era irresistível o aroma que ele não conseguia explicar.

Os dois ficaram presos naquele abrigo por um bom par de horas, acabaram conversando, tinham alguns gostos em comum, muitos diferentes, mas mesmo assim ele não conseguia tirar os olhos dos olhos dela, nem da boca, devorava cada palavra que ela dizia com prazer, o espaço exíguo e a chuva que apertava cada vez mais aproximava seus corpos, os dois compartilhando o mesmo calor que espantava o frio causado pelo quão estavam encharcados.

O temporal arrefeceu e eles continuaram ali ainda juntos, conversando, se olhando, ela disse onde trabalhava e ele também, era próximo, ele propôs um almoço, ela disse:"vamos ver", ele ainda a acompanhou até o ponto de ônibus e se despediram. 

Passaram os dias, se falaram poucas vezes e foram almoçar naquela manhã, ele ainda continuava fascinado por ela, conversaram, riram, ele disse o quanto ela era bonita, uma beleza rara, na opinião dele, a mulher mais linda que ele vira nos últimos anos, saíram pra caminhar, suas mãos se tocaram, enquanto esperavam o sinal abrir no cruzamento ele a puxou para junto de si e a beijou com uma vontade única, uma das mãos em seus  cabelos castanhos a outra abraçando seu corpo, os braços dela envolvendo o dele, lábios e língua em total retribuição, o sinal abriu, fechou, abriu novamente e os dois lá atrapalhando o trânsito.

O ar acabou, o dia também, mas o beijo e a vontade dele por ela não, a cada beijo deles ele se apaixonava mais, a cada segundo com ela o dia parecia parar, o perfume dela se misturou ao cheiro da sua roupa, os dois andavam sem olhar para nada a não ser o outro, mas em certo momento ela disse as palavras que o levaram àquele ponto do dia, sentado no banco do jardim: "Eu  ainda gosto de outra pessoa, desculpa."

Ele olhou pra ela, não sabia o que dizer, foi pego totalmente de surpresa, envolveu-a com os braços, a beijou com, ao mesmo tempo, um gosto de adeus e de não vou desistir, ela subiu no ônibus e ele acompanhou com o olhar até que o perde-se de vista.

Agora sentado naquele jardim, com a chuva fraca sobre si ainda não entendia o que aconteceu, pensava se deveria ir atrás ou não, talvez devesse só beber até esquecê-la, sim, talvez fosse melhor, pelo menos naquela noite, pegou a garrafa de saquê disposto a esquecer, mas ao ler o rótulo percebeu: "É assim fica difícil esquecer". 

Deixou a garrafa do lado do banco, pegou as chaves e saiu, nela estava escrito "Flor de Lótus".



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